A milésima edição do Brasil Econômico é comemorada com a publicação de um debate oportuno e necessário. Tema de alta prioridade em todo o mundo, a transparência ganhou destaque em nosso país nos últimos meses, mais ainda após as manifestações de rua iniciadas em junho. A sociedade exige informações amplas em todas as esferas do poder, seja no Executivo,no Legislativo ou no Judiciário. À exceção dos segredos de Estado, nada mais justifica a existência de caixas-pretas na administração pública. A palavra de ordem do momento é transparência. E a frase do juiz Louis Brandeis, da Suprema Corte dos EUA, torna-se citação obrigatória: “A luz solar é o melhor desinfetante”.
Esse foi o pano de fundo do debate que reuniu Gil Castello Branco, secretário- geral da ONG contas abertas, Wadih Damous, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, e Miguel Lago, do movimento Meu Rio. Um dos técnicos mais experientes no acompanhamento dos gastos públicos, Gil, há duas décadas, é fonte obrigatória dos jornalistas que trabalham em Brasília.
Graças aos levantamentos do contas abertas, várias denúncias de desvios orçamentários foram comprovadas pelos números. A ONG ajudou, por exemplo, a revelar os abusos com cartões corporativos. A equipe de Gil acompanha com faro fino a execução orçamentária dos ministérios e das autarquias, além dos gastos do Senado e da Câmara. Pouca coisa escapa da lupa aguçada do contas abertas. Na opinião de Gil, o Brasil avançou muito em termos de transparência.
Vai longe o tempo emque, para se obter dados, era preciso recorrer à senha dos senadores que tinham acesso ao SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal). Contribuições recentes para a evolução são a Lei Complementar 131, que obriga estados e municípios a divulgarem suas contas na internet, e a Lei de Acesso à Informação. Gil aplaude as iniciativas, mas adverte que a maioria dos municípios ainda não se enquadrou às exigências da nova lei.
E também ressalva que as empresas estatais continuam avessas à abertura de seus contratos. “Ainda há muito a fazer”, diz o especialista. O advogado Wadih Damous, que também preside a Comissão da Verdade no Rio de Janeiro, aponta outro ponto cego que resiste às pressões por abertura:“ O Judiciário permanece refratário, não revela sequer os salários dos magistrados”. Damous critica as Forças Armadas, pelo mesmo motivo. Seu trabalho à frente da Comissão da Verdade não progride, diante da resistência oposta pelos militares ao fornecimento de informações sobre o período da ditadura.
A exemplo de Gil, ele lembra que não basta adotar uma legislação de vanguarda. É preciso garantir a aplicação das leis. A preocupação de Miguel Lago, do Meu Rio, vai na mesma direção. Para ele, é fundamental que a sociedade tenha maior participação nas decisões do Poder Executivo. Um dos mecanismos, capaz de coibir abusos e desvios no nascedouro, seria o orçamento participativo, no qual os cidadãos são chamados a opinar sobre as prioridades.
Outro instrumento eficiente são as audiência públicas para avaliar projetos e obras, mas desde que as sugestões sejam efetivamente incorporadas pelos gestores. Em resumo, a iniciativa do Brasil Econômico mostrou que, além de desinfetar, como disse o juiz Brandeis, a transparência é capaz de tornar a máquina pública mais eficiente.
Fonte: Contas Abertas