Lei de Acesso pode revelar doadores ocultos, defende juiz do Ficha Limpa

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Magistrado que ficou nacionalmente conhecido depois de liderar a campanha que levou à criação da Lei da Ficha Limpa, o juiz Márlon Reis quer avançar o cerco às fontes de corrupção e defende mudanças substanciais em relação ao financiamento de campanha, que em sua opinião, poderiam vigorar já em 2014 e sem necessidade de tramitação no Legislativo. Diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Reis defende a utilização da Lei de Acesso à Informação para que a sociedade saiba que empresas financiam a campanha de que candidatos.
Hoje, a maioria das doações são ocultas, isto é, destinadas às direções partidárias que, por sua vez, as distribuem aos candidatos. Dar transparência a essa triangulação, diz, é a próxima etapa de aperfeiçoamento. Isso dentro dos marcos atuais, uma vez que o MCCE, ressalta, propõe mudanças mais profundas. A entidade reivindica o financiamento público de campanha com permissão apenas para doações de pessoas físicas, no limite de um salário mínimo – proposta que está incluída no novo projeto de lei de iniciativa popular lançado pelo movimento.
Foi com base na Lei de Acesso à Informação que, na eleição municipal do ano passado, Reis conseguiu que prestações de contas de campanha fossem feitas antes do dia de votação, em outubro. A decisão foi tomada em maio em sua comarca, a de João Lisboa, no Maranhão, adotada por outros juízes e depois aplicada em todo o país a partir de determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que exigiu relatórios parciais de gastos e receitas em agosto e setembro.
O juiz afirma que "esta é uma tese muito nova", que obteve vitória em 2012 e cuja extensão pode ser ampliada em 2014. O próximo passo, diz, é utilizar a Lei de Acesso à Informação para revelar a origem das doações ocultas. "Poderia ser feita uma interpretação ainda mais profunda da lei para se chegar a esse ponto. Ou seja, que para aquele [candidato] que disser que o dinheiro veio do partido, é preciso que o partido diga de onde veio aquele dinheiro", defende Márlon Reis.
Em São Paulo, cerca de 60 empresas são suspeitas de envolvimento no esquema de pagamento de propina a funcionários da prefeitura da capital, que deram descontos de até 50% a incorporadoras e construtoras na retirada do habite-se de empreendimentos imobiliários. No entanto, na prestação de contas feita pelo prefeito Fernando Haddad (PT), do total de R$ 42.084.066,71 recebidos para a sua campanha, 90,7% eram ocultos. Vieram do Comitê Financeiro Municipal para Vereador, do Comitê Financeiro Municipal Único e das direções estadual e nacional do PT. O Comitê Financeiro Municipal foi responsável por 57,5% dos recursos, mas a origem do dinheiro desta conta também é largamente desconhecida, pois 84,2% são ocultos e vêm de instâncias partidárias – a maior parte, 75,6%, da direção nacional. A conta da direção nacional é o grande "buraco negro" para onde as empresas enviam suas doações, que daí são repassadas para outros diretórios, comitês ou para a conta dos candidatos.
Márlon Reis afirma que a vantagem da Lei de Acesso à Informação é que ela pode representar um grande salto, dado apenas por uma "decisão institucional", sem necessidade de aprovação pelo Congresso. "Estou convencido de que não é preciso nem uma reforma política para fazer isso. Porque a transparência é a base da nossa Constituição e porque tem Lei de Acesso que pode ser utilizada", diz.
Como Reis é juiz de primeira instância e não terá jurisdição sobre as eleições estaduais e nacionais, o magistrado afirma que, desta vez, não tem poderes para fazer valer sua interpretação. Decisão para revelar as doações ocultas, com base na Lei de Acesso, precisaria ser tomada por presidentes de tribunais regionais eleitorais (TREs) e principalmente pelo TSE. Em 2012, destaca, o Tribunal Superior Eleitoral teve o mesmo entendimento porque era presidido pela ministra Cármen Lúcia, afinada com as ideias do MCCE. No próximo ano, a Corte será presidida pelo ministro Dias Toffoli.
Questionado se a única via é por meio da judicialização, Reis destaca que do âmbito político a mudança dificilmente virá. "Tanto é que agora tentaram e o Congresso mais uma vez rechaçou essa possibilidade. E eles rechaçam por quê? Porque não é simpática essa relação", diz.
Reis conta que durante audiência pública no Supremo Tribunal Federal, em setembro, convocada pelo ministro Luiz Fux, para tratar do tema das doações empresariais, argumentou que a prova de que a relação entre as empresas e os candidatos não é republicana é essa necessidade de ocultação. "Chega-se ao ponto de ofender um princípio constitucional [o da transparência] dos mais elementares para assegurar o maior sigilo possível nessa relação – porque ela não é democraticamente saudável", conclui.
Márlon Reis argumenta que a Lei de Acesso não diz respeito apenas a informação pública, mas a informação de interesse público. Por isso, pessoas jurídicas de direito privado, como os partidos políticos, também são afetadas pela lei. "O dinheiro que passa pelas campanhas é claramente de interesse público. A sociedade tem que ter ciência dessa movimentação. O fundo partidário é a principal fonte de receita dos partidos. Então, tem dinheiro público na história, que também vai parar nas campanhas. É preciso saber quem está doando o que, se é público, se é privado", defende.
O juiz vai além e afirma que, de acordo com o artigo oitavo da Lei de Acesso, a disponibilidade das informações deveria ser automática. O artigo estabelece que "é dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas". "O poder público tem que tomar a frente e fornecer logo a informação", diz.
Sobre a minirreforma eleitoral aprovada na quarta-feira pelo Congresso e que vai à sanção presidencial, Márlon Reis afirma que a legislação pode vigorar já em 2014, pois há precedentes de mudanças que passaram a valer a menos de um ano das eleições. É o caso da lei 11.300, de 2006, que vigorou na disputa daquele mesmo ano, independentemente do princípio da anualidade. Isso porque não tratava – assim como a atual minirreforma – de assuntos ligados ao que chama de "processo eleitoral", ou seja, regras fundamentais do jogo, como o financiamento de campanha e o sistema eleitoral.
Na minirreforma de 2006, o Congresso aprovou a proibição de showmícios, a distribuição de brindes e a propaganda em outdoors. Desta vez, os parlamentares vedaram a propaganda em cavaletes colocados em vias públicas, a pintura de muros de imóveis e o chamado envelopamento, quando automóveis são cobertos com anúncios. Agora, só serão autorizados adesivos, de 50cm por 40cm, postos no vidro traseiro. Duas mudanças terão alcance maior e são merecedoras de elogios, afirma Reis.
A primeira fixa o limite de 20 dias de antecedência para a troca do nome e foto dos candidatos nas urnas que decidirem não participar da disputa. A norma tem o objetivo de evitar, por exemplo, que um ficha-suja deixe de concorrer às vésperas da eleição, mas consiga carrear votos para seu substituto, em regra um parente, que pode se eleger mesmo sem fazer campanha. "Houve casos incríveis em que não se trocava a foto e o eleitor votava em quem não era mais o candidato. Na verdade, era uma fraude. Agora, dá tempo de [o eleitor] saber", diz o magistrado.
A segunda mudança limita a contratação de cabos eleitorais de acordo com o tamanho do eleitorado do município e pretende coibir a compra de votos disfarçada de prestação de serviços. "Em entrevista para a minha tese, um desses cabos eleitorais me confirmou isso. É uma forma de legalizar a compra de votos. Às vezes, eles trabalham pouco ou nada para a campanha", conta Márlon Reis.
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